Estamos vivendo momentos muito importantes na história da humanidade. Muita coisa está mudando e muitas outras estão sendo reavaliadas. Em meio a tudo isso, estamos questionando e revisando o papel da mulher dentro da estrutura social e cultural que hoje vivemos. Esse é um movimento mundial e, como tal, me leva a olhar pro céu em busca de símbolos que o representem astrologicamente. Encontro dois que me parecem fundamentais: o momento de transição no qual nos encontramos (da Era de Peixes para a Era de Aquário) e Lilith. Neste artigo, trataremos de Lilith.
Mas o que exatamente estamos reavaliando? Em termos gerais, posturas, atitudes, ideias preconcebidas e verdades que costumavam explicar nosso mundo, conter nossas expectativas/ansiedades, mas que já não atendem às nossas necessidades atuais. Por muitos anos, nosso mundo foi criado e desenhado (socialmente e culturalmente) por homens para atender às suas necessidades e expectativas. Era prioridade que o homem estivesse feliz para que ele pudesse continuar criando, expandindo e conquistando. Dentro deste contexto, a mulher exercia um importante papel de suporte, de manutenção do lar e da família, para que ele pudesse desbravar horizontes. Mas este era um papel secundário. E, como tal, as regras sociais sob as quais ainda vivemos, que foram criadas a centenas e milhares de anos atrás, não consideravam as necessidades e desejos desta atriz (até então considerada coadjuvante) que preparava a cena para o homem desempenhar o papel de protagonista.
Até que, um dia, essas atrizes ficaram curiosas sobre o que acontecia da porta para a fora. Se deram conta de que, com a justificativa de que eles precisavam de paz e equilíbrio para garantir o sustento da família, elas assumiam toda a carga adicional, o que não era pouco. Elas ficaram curiosas. O que eles fazem? Não poderíamos fazer também? Em breve, o que era uma curiosidade se tornaria uma necessidade: com custos de vida mais elevados, o desejo por uma vida mais confortável e farta que permitisse férias e viagens, a mulher ingressou no mercado de trabalho. Uma grande mudança começava a ocorrer.
Com isso, suas vidas ganharam mais uma nuance que desconheciam. Começaram a dividir com os homens o ambiente corporativo para ajudar no sustento da família, mas não chegaram a dividir com os homens suas próprias atividades, como o cuidado da família. Esta continuou a cargo delas. Claro, os homens nunca foram treinados nem tiveram interesse em aprender este papel. Além disso, médicos e cientistas diziam que estudos (conduzidos por homens) indicavam que os filhos necessitavam prioritariamente dos cuidados maternos. Assim, sem o suporte científico e com muito a provar, elas assumiram tudo e decidiram mostrar do que eram capazes. Elas adotaram parte do mundo deles, mas eles não entraram no mundo delas. Aumentou a responsabilidade delas, mas não a diversão. Elas não tinham direito a saída semanais com amigas (como eles), não contavam com a flexibilidade ou “vista grossa” no que dizia respeito a fidelidade nem tinham o direito de se jogar no sofá depois de um cansativo dia de trabalho.
Mesmo assim, elas começaram a tomar gosto pela vida profissional. Não é que isso de ter uma carreira era interessante? Com isso, elas começaram a se dedicar com mais afinco a aquilo que faziam. Encontravam cuidadoras substitutas para os filhos enquanto estavam fora de casa, para poder se dedicar ao trabalho despreocupadamente. E nunca conseguiram, porque a culpa e a cobrança social para que continuassem sendo uma mãe e esposa impecável, que jamais deixa a peteca cair, sempre esteve presente. Mas elas seguiram em frente, com culpa e tudo, buscando crescimento profissional. No processo, descobriram (e descobriu-se) que muito do que os homens faziam elas podiam fazer também, e melhor. Elas descobriram ainda que, por mais que trabalhassem e fossem melhores, não eram pagas em igual medida: no melhor dos casos, recebiam 70% do salário total de um homem. Como se não fosse suficiente, se sujeitavam também a assédio sexual por parte dos homens que as gerenciavam. Afinal, lugar de mulher é em casa e se elas haviam decidido estar presentes em um ambiente predominantemente masculino (o mundo corporativo), precisavam aceitar as “consequências” disso. Ou assim pensavam os homens.
Mas aos poucos isso começou a mudar. Devagarzinho, elas começaram a questionar porque ganhavam menos, porque tinham que se submeter a desrespeito em seu local de trabalho e porque se esperava que dessem conta de tanto, quando dos homens continuava-se a esperar o de sempre: suporte financeiro e proteção.
Esses questionamentos deram lugar ao que começou-se a chamar de "Movimento Feminista", onde as mulheres decidiram lutar para ter os mesmos direitos, uma vez que já estavam assumindo socialmente as mesmas responsabilidades (ou mais) do que os homens. E todo esse movimento que vem ocorrendo nas últimas décadas me remete à Lilith. Sim, a Lilith e não a Lua, porque embora a Lua represente astrologicamente a mulher, ela fala de receptividade, do nosso lado mãe, do nosso lado mulher, de família, de sentimentos, emoções, sensibilidade, intuição, mas também de confusão. A Lua (principalmente no Tarot) também representa segredos, aquilo que não se vê e que nos confunde. Ela possui ciclos e com ela as coisas nem sempre são claras, porque embora a Lua saiba, é um saber inconsciente que nem sempre é facilmente transmissível. Já Lilith, conhecida astrologicamente como a sombra da Lua, ou a Lua negra, fala do poder magnético feminino, da mulher que se conhece e se aceita como é, que é livre para escolher como viver sua vida e sua sexualidade, que decide como se relaciona e que aceita ser exilada do convívio social se isso significar manter-se fiel a sua essência.
Se pensarmos na Lua como a mulher que existe em todos nós, então Lilith é aquela parte do nosso lado feminino que não é aceito social e culturalmente, que fomos ensinadas a rejeitar para atender a mandatos culturais e religiosos que não necessariamente serviam aos nossos interesses. Lilith é parte da Lua, mas foi relegada à sombra. O problema é que ao associa-la ao lado negro da Lua, estamos associando grande parte da nossa natureza a tudo que a cor negra simboliza em nossa linguagem: o desconhecido, o oculto, o inconsciente, o maléfico, aquilo que devemos temer. Talvez esta tenha sido a única forma que encontramos para incorporar esta parte da nossa energia à nossa identidade. Até agora.
Para entender melhor como o patriarcado e as nossas tradições entranharam suas garras em nosso inconsciente, em nossa cultura e em nossa sociedade, e como isso fomentou a exclusão do lado nosso independente e audacioso, vejamos o que nos conta o mito de Lilith.
O mito de Lilith
Existem algumas histórias mitológicas para Lilith, mas a com que eu mais me identifico fala que ela foi, na verdade, a primeira mulher de Adão, e não Eva. Teria sido assim: quando Deus criou Adão, o fez completo, homem e mulher. Tudo ia bem até que Adão começou a nomear os animais e viu que havia um macho e uma fêmea para cada espécie. Ele então perguntou a Deus porque todos tinham um par, menos ele. Deus explicou que ele não precisava de uma mulher porque ele continha tanto a essência masculina quanto a feminina. Mas mediante sua insistência, Deus teria concordado em dividi-lo em dois, macho e fêmea, ou Adão e Lilith.
No início eles foram muito felizes. Adão adorava ter com quem conversar, passar tempo, jogar, comer, fazer amor e compartilhar a vida. Mas Adão insistia em assumir o papel de dominador ante Lilith, inclusive sexualmente. Lilith não aceitava isso. Ela dizia que eles tinham sido feitos do mesmo material e tinham a mesma essência. Portanto, eles eram iguais e deveriam se tratar como tal. Mas Adão não aceitava. Ele dizia que ele tinha sido feito de terra, que era um material puro, e ela de sedimento, que era impuro, indicando sua menor valia. Lilith recusou-se a aceitar esta subjugação e decidiu abandonar Adão para viver sua vida de forma livre. Ela queria ser quem era e viver de acordo com a sua essência. Assim, ela se mudou para uma caverna que ficava às margens do Mar Vermelho, onde viviam os demônios, com quem ela tinha vida social e relações sexuais. Ali, ela conseguiu criar para si um lugar que jamais teria tido com Adão, onde não era dominada por ninguém, se expressava livre e criativamente, e era sexualmente livre. Diz-se que ela dava à luz a 1.000 crianças imortais por dia.
Adão, por outro lado, sentado no Jardim do Éden, rodeado por toda aquela pureza e beleza, mas sem ninguém com quem compartilha-la, começou a se sentir sozinho. Então, ele pediu a Deus que trouxesse Lilith de volta para lhe fazer companhia. Deus enviou três de seus anjos para entregar uma mensagem a Lilith, que dizia que ela deveria voltar a viver com Adão ou os seus filhos não serão mais imortais, e ela os veria morrer. Ela tentou argumentar sem sucesso. Mesmo assim, ela decidiu não voltar e seus filhos começaram a morrer. Ela ficou, então, possuída por ira, teria se tornado um demônio e estaria até hoje em busca de vingança contra os homens e contra a humanidade.
Que lições nos trazem este mito? Primeiro, que se formos contra Deus, vamos sofrer. Aqui, por si só, já temos uma forte inferência do porque temos que manter a natureza feminina reprimida, “na sombra” e bem longe da luz: para evitar o sofrimento. Mas é preciso notar algo mais: o Deus histórico é do sexo masculino, o que cria uma associação (ainda que nebulosa) de que os homens e Deus devem ser obedecidos com a mesma reverência e sem maiores questionamentos. Assim, ir contra o desejo dos homens para atender à nossa natureza e essência femininas seria passível de punições inimagináveis. Afinal, ao fazê-lo, Lilith perdeu seus filhos, seu status e sua capacidade de sobreviver dentro de um contexto social e cultural. Ela é literalmente exilada da sociedade.
Por que se conhece tão pouco da história de Lilith?
No céu, Lilith é um asteroide ou uma nuvem de pequenas partículas de poeira que orbita a Terra, como uma segunda Lua. A ela são atribuídas o poder feminino, o magnetismo, a capacidade de resolução de conflitos e uma sexualidade ativa. Seu maior desafio consiste em conseguir liberar sua fúria construtivamente para solucionar problemas. Muitos a relacionam, ainda, a Plutão, pois também a associam a força de vontade, ao interesse no oculto, a problemas relacionados a poder e controle, e ao inconsciente. Alguns dizem que ela é a mulher selvagem que existe dentro de cada uma de nós. Mas se ela contém tantos significados poderosos, por que ela vem sendo relegada a segundo plano por tanto tempo?
Mas não é exatamente isso que tem acontecido com as mulheres? Da mesma forma que fomos por muito tempo relegadas a segundo plano não por falta de relevância mas por temerem o poder feminino, o mito de Lilith não é disseminado porque pode servir como um convite para que as mulheres repensem suas histórias e comecem a questionar seu lugar na narrativa social e cultural atual.
E é exatamente por isso que o movimento feminista atual me parece extremamente relacionado ao mito de Lilith. Ao trazer a pauta e questionar milhares de anos de silêncio, subjugação e discriminação da parte mais sagrada da nossa essência, estamos resignificando a simbologia de Lilith no céu e no mapa pessoal de cada um. Se a rejeição de Lilith a dominação de Adão for honrada ao invés de recriminada, podemos empoderar o símbolo da mesma forma que estamos buscando o nosso empoderamento pessoal através dos inúmeros movimentos que estamos criando a nível nacional e global.
Lilith, a psiquê e os mandatos sociais e culturais
Psicologicamente, são aquelas coisas das quais não falamos que ganham força e vem nos atormentar durante a noite. E foi assim que o patriarcado, as tradições e as religiões puderam manter muitos elementos saudáveis da nossa natureza feminina e humana subjugada e sob controle. Jogando-as no escuro e associando-as ao maléfico, incutimos medo suficiente para evitarmos pensar sobre estes assuntos e impedir o exercício do livre arbítrio, onde cada um decide como lidar com essa energia tão poderosa e mistificada.
Observando esta vilipendiação da sexualidade feminina dentro do patriarcado que vivemos, podemos entender melhor também a cultura do estupro: se nossa natureza sexual deve ser reprimida, e se devemos evitar qualquer coisa (roupas, atitudes e maneirismos) que lembre ao nosso entorno que somos seres sexuais para não despertar nos homens o seu instinto animal (considerado natural em nossa cultura), então o estupro é nossa responsabilidade. Se ele acontece, é porque falhamos em nosso dever de manter nossa sexualidade em cheque. Logo, diz-se que “pedimos” por aquilo com gestos, roupas e olhares. Em outras palavras, não só somos responsáveis pelo que fazemos, mas também por aqueles desejos e instintos animais que levam os homens a agir de forma a nos ferir e desrespeitar. Eles, por outro lado, são vítimas da sua própria natureza.
Neste contexto, Lilith simboliza a mulher desafiadora e sedutora, que não se adapta nem se submete, e que, por isso, ameaça o patriarcado. Ela representa o medo que os homens têm da energia feminina, que também trazem dentro de si, e que sabem ser capaz de questionar toda uma estrutura cuidadosamente preparada por centenas de anos para mantê-los no controle daquilo que eles temem e desconhecem. Lilith seria, então, uma energia em estado puro, selvagem, que revelamos só entre quatro paredes ou em um banco de confissão, quando revelamos.
E daqui, para onde vamos?
O que fazer então? Deveríamos celebrar o fato de sermos atraentes e sedutoras? Exercer nossa sexualidade de forma mais desafiante e agressiva? Deveríamos honrar a beleza feminina em todas as suas formas? Deveríamos encarar os ciclos naturais dos nossos corpos como algo natural e positivo, que nos lembra que somos parte da natureza e dos ciclos da Terra? Cada cultura responderá a estas perguntas de acordo com a sua filosofia básica sobre o que o feminino é, faz e deveria ser. As religiões predominantes atualmente são basicamente fundamentadas no medo do feminino, vilipendiando, assim, tudo deste que não pode ser mantido sob controle.
Mas talvez não se trate de render-se à forma mais selvagem e instintiva da energia, ou de fomenta-la, expondo-a agressivamente, mas sim de incorpora-la, tira-la do exilio e torna-la parte da gente. Talvez o movimento feminino de busca por um espaço no universo corporativo, atualmente dominado pelos homens, encontrará um ponto intermédio em algum momento, onde as mulheres continuarão buscando o reconhecimento que merecem desde o seu lugar de mulher, sem tentar ser igual aos homens. Porque a verdade é que não somos iguais a eles. Somos muito diferentes, e talvez até melhores em vários aspectos.
Somos multitarefas e damos conta de pensar e agir sobre mil coisas ao mesmo tempo, sem deixar nada a desejar em lugar nenhum. Podemos ser tão executivas quanto eles sem perder a nossa intuição inata. Lemos melhor as pessoas e as situações, o que nos oferece uma vantagem competitiva significativa. Eles são lógicos e matemáticos, e usam bem estas habilidades em seu beneficio, mas não lhes é fácil desenvolver seu lado intuitivo e emocional. Nós mulheres, no entanto, somos naturalmente intuitivas e emocionais, e já nos mostramos bastante capazes de desenvolver nosso lado lógico e matemático (vide a presença cada vez maior de mulheres em áreas relacionadas a matemática e a engenharia). Somos melhores negociadoras porque somos menos agressivas e mais empáticas, levando muitas vezes o outro a fazer o que queremos, sem jamais parecer invasiva. São tantos os pontos onde sermos diferentes nos fortalece! No entanto, renunciamos a tudo isso em nome de sermos aceitas no mundo atual. Exigimos direitos iguais, falamos no mesmo tom que eles e consideramos machismo se formos tratadas de forma diferente. Mas porque, se desde a nossa condição feminina, podemos criar um resultado superior?
O fato do mundo ser um lugar que pertence aos homens também é uma construção nossa. Nós, mulheres, aceitamos e participamos desta construção coletiva. Para descontruir isso, no entanto, não é necessário falar mais alto, ser mais fortes nem nos soterrarmos em tarefas para provar que podemos dar conta de tudo. Porque não se trata de nos juntarmos a eles em seus lugares masculinos, mas sim de termos nosso valor reconhecido no lugar onde nos encontramos. Somos a outra metade que traz equilíbrio para o todo e que, por isso, é tão necessária quanto a polaridade positiva que eles representam. Merecemos o mesmo respeito, não por sermos iguais, mas por também sermos fundamentais. Ao tentar encontra-los em sua polaridade estamos rejeitando a beleza e a força da nossa própria energia.
E, no fundo, não é isso que queremos. Mas enquanto buscarmos sermos iguais, sempre estaremos perdendo, porque nunca, jamais seremos iguais. O máximo que pudermos ser, não importa que tão fantástico seja, sempre será diferente. E isso é maravilhoso!
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