A Astrologia, assim como muitas outras áreas da vida, tem suas definições maniqueístas. Saturno é o grande maléfico, Marte é o pequeno maléfico, enquanto Júpiter é o grande benéfico, etc. Essas definições, de origem cultural e social, podem nos levar a leituras e compreensões equivocadas não só dos trânsitos como da simbologia de cada planeta.
Um caso que me chama muito a atenção é o de Júpiter. Em teoria, todo e qualquer trânsito de Júpiter, por pior que seja, será sempre bom, porque ele traz sempre um componente de sorte que faz com que tudo dê certo de alguma forma, por mais errada que seja a situação. Interessante analisarmos isso um pouco mais de perto. Vejamos um exemplo de trânsito de Júpiter pela casa 12. Como casa do imponderável, a casa 12 é lida como a casa das energias que circulam no universo e que estão muito além dos nossos olhos e percepção. Logo, Júpiter em trânsito por esta casa costuma ser lido como o nosso “anjo da guarda” em ação. Ele está acordado e protegendo-nos de tudo. Assim, não é incomum vermos pessoas que, com esse trânsito, sofrem acidentes terríveis, que muitas vezes envolvem outras pessoas, e saem ilesas do acidente.
Algumas leituras podem ser feitas desse evento sob esse trânsito. Primeiro, sendo a casa 12 parte do nosso próprio mapa, ela também é a nossa percepção do imponderável e das energias que circulam no universo, e que estão além dos nossos olhos. Logo, Júpiter em trânsito por ali, com toda a sua sorte e certeza de que tudo no final dará certo, pode nos tornar mais relapsos na avaliação das pessoas e situações, levando-nos a tomar riscos que, em outras situações, não teríamos tomado. Assim, os acidentes que muitas vezes ocorrem com estes trânsitos (e também com trânsitos de Júpiter em conjunção ao Sol) podem derivar de um excesso de confiança da nossa parte em uma proteção superior. Nos tornamos mais relapsos, nos expomos mais e, com isso, acidentes acontecem, alguns graves, outros não.
E quanto ao fato de que muita gente com estes trânsitos, quando se vem envolvidas em acidentes, costumam sair ilesas, enquanto outros morrem, ficam incapacitados, etc? Isso não é a sorte de Júpiter?
Outra vez, é preciso analisar mais de perto. Conheço pessoas que viveram trânsitos de Júpiter sobre o Sol e estouraram a própria mão com fogos de artificio. Por alguma razão que desconhecemos, elas decidiram segurar o rojão na própria mão para que ele explodisse em direção ao céu, e o rojão estourou em direção à pessoa. Esse tipo de acidente é conhecidamente possível. Por isso, a recomendação é apoia-lo em algo no solo e deixar que estoure, enquanto olhamos de longe. Mas essa pessoa decidiu que a própria mão era o lugar mais adequado para estoura-lo, decisão que ela não teria tomado normalmente. Com a explosão para trás, ela quase perdeu o dedo (“quase”, como sempre com Júpiter), ficou quase 1 ano em fisioterapia, e ficou com a mão aparentemente intacta, como se nada nunca tivesse acontecido, exceto por uma mínima restrição de movimento. Sorte? Sim, se pensarmos que ela poderia ter perdido a mão. Mas se pensarmos no quanto seu processo de recuperação foi longo e doloroso, não sei até que ponto podemos considerar que a pessoa teve sorte.
Outro exemplo: pessoas que nascem com Sol conjunto a Júpiter, algumas no signo de Peixes, potencializando o poder protetor de Júpiter. Aquelas que nasceram em 1939 estão atualmente em seus setenta e poucos anos e têm a “sorte” de terem atravessado mil e um problemas graves de saúde ao longo da vida e ainda estarem vivas, “ativas”, “lúcidas”. Por que sorte entre aspas? Porque se bem é verdade que continuam vivas apesar de todos os problemas de saúde que atravessaram, esses problemas tiveram um custo físico e emocional que se refletem no que elas são hoje. Para mim, elas são um exemplo da vida que insiste em existir apesar das adversidades, como vemos em tantos aspectos da natureza: não uma vida necessariamente saudável, mas vida apenas, em uma insistência teimosa, que desconsidera as próprias condições de existência. Quase a vida como obrigação. E aqui entra a questão ética e polêmica da vida como obrigação versus a vida como direito. Se a vida é um direito, como defendemos amplamente, ela não deve ser imposta a ninguém, e cada um tem o direito de dispor da sua própria como bem lhe aprouver. Júpiter, porém, não quer saber o que você acha da vida “aos pedaços”: você vai sobreviver a todas as adversidades e continuar vivendo, não importa em que condições, porque você tem “sorte”.
Esse exemplo me faz lembrar do filme À Espera De Um Milagre, onde o personagem de Tom Hanks é tocado por uma pessoal especial no filme e é “abençoado” com um tempo “extra” de vida, tempo esse que ele não sabe de quanto será. Mas no final do filme ele comenta que considera isso, na verdade, um castigo por não ter podido salvar à aquela pessoa especial da pena de morte, já que seu tempo extra de vida tinha levado-o a enterrar todas as pessoas importantes de sua vida, o que lhe causava uma dor e solidão impossíveis de descrever. Também me faz pensar na metáfora dos vampiros, que são imortais e condenados à viver eternamente. Apesar de sermos, em geral, contrários à morte e favoráveis à vida sempre, a finitude da vida também é uma benção, assim como a vida eterna é um castigo, independente da qualidade da vida em questão.
Por comparação, penso na conjunção entre Sol e Saturno no mapa natal. Para aqueles que seguem as definições da Astrologia tradicional, Saturno, o grande maléfico, em conjunção ao Sol, nosso centro de energia vital, traz maus augúrios não somente para a duração da vida como para a qualidade desta. Sendo o oposto de Júpiter, Saturno traz má sorte. Posta em conjunção ao nosso centro vital, o Sol, essa pessoa terá sempre má sorte ao longo da vida. Mas, o que vemos na prática é que, se bem tendem a ter problemas crônicos de saúde, que requerem tratamentos prolongados, e algumas possuem inclusive algumas limitações físicas, essas pessoas também têm vida longa. Ao contrário da vida que insiste em existir apesar das diversidades, Sol-Saturno é a vida que resiste sem insistir, pois acompanha a passagem do tempo (Saturno) e vai gradualmente decaindo, se extinguindo. Essa pessoa pode não ter tanta sorte como aquelas de Sol-Júpiter, mas provavelmente não necessitarão tanto dela, já que se exporão a menos riscos desnecessários, e tendo maior consciência da finitude do corpo e da vida, destes cuidarão melhor.
Obviamente, estamos tratando aqui somente de alguns aspectos destas conjunções, geralmente os menos considerados em todas as leituras. Mas achei importante chamar atenção para eles já que muitas vezes os conceitos de “sorte” e “azar” são levados a extremos e, mal interpretados, podem levar a equívocos.
Eu penso que a proteção de Júpiter-Sol pode ser, em algumas situações, quase uma maldição que nos condena à um prolongamento da vida quando o corpo (veículo desta) já não tem condições de enfrentar as vicissitudes inerentes à mesma. Por sua vez, a consciência das limitações de Saturno-Sol é uma benção que nos permite o aproveitamento justo do nosso tempo, segundo as nossas capacidades físicas, emocionais e psicológicas, em cada momento da vida. Porque se bem nem toda caminhada em direção à própria extinção precisa ser mortificadora, como muitos pensam a respeito da conjunção Sol-Saturno, também há beleza no envelhecimento gradual e na morte. Pensemos nisso!