Estou há quase 20 anos com o mesmo homem. Nos separamos brevemente (por 1 ano) em 2007, retomamos a relação em 2008 e desde então estamos juntos.
Embora exista dentro de mim uma paixão quase incontrolável por tudo que faço e um desejo por paixão pela vida que dificilmente me abandona, nunca quis um amor que fosse feito de arroubos emocionais. Mas, se sou muito sincera, sinto sim, em inúmeras ocasiões, falta daquelas paixões de filmes e novelas.
Por que a minha escolha? Cada um escolhe segundo a sua própria história. A minha sempre me levou a buscar algo mais estável e constante. Tenho problemas com questões envolvendo o abandono e preciso estar com alguém que saiba que vai estar comigo hoje, amanhã e depois.
Mas, como tudo na vida, essa necessidade de segurança emocional tem seu preço, e eu andava me perguntando se, de alguma forma, essa não tinha sido uma escolha equivocada. Acredito que as escolhas que fazemos na vida não podem ser baseadas em medo, e me perguntava se este não tinha sido o caso.
Até que esbarrei acidentalmente com um texto na internet de uma blogueira chamada Kris Gage e encontrei em sua escrita muito do que acredito. O texto se chama "Amor bom é 'chato'" (tradução livre de "Good love is 'boring'"), e fala justamente dessa crença que muitos de nós carregamos de que amor bom nos mantem sempre em estado de alerta, com o coração disparado, a boca seca e a cabeça a mil.
Amor errático não é amor
E não é assim mesmo? A gente frequentemente pensa que amor tem que ser algo quase maníaco. A gente quer “se perder” no outro, ser bagunçado e descabelado por esse sentimento e, preferencialmente, que seja tão arrebatador que nos tire qualquer poder de decisão e livre-arbítrio sobre o assunto. Os filmes mostram que o amor é tudo menos calmo e tranquilo. Geralmente ele envolve altos e baixos, triângulos amorosos, traições, etc. Então, qualquer coisa diferente disso a gente acha que não é amor de verdade.
Até porque, se relacionamentos duradouros requerem trabalho, como costumamos dizer, então toda aquela dificuldade inicial, ao invés de se tornar um sinalizador de que talvez aquilo não seja amor, se torna motivação. Pensamos que se insistirmos o suficiente por tempo suficiente eventualmente chegaremos ao tal do amor com o qual sonhamos.
Certo? Errado! A gente está entendendo errado o sentido da palavra "trabalho" na frase acima.
Embora os melhores relacionamentos tenham um pouco dos dois, se tivéssemos que escolher entre “chato” e “apaixonado" deveríamos ficar com a primeira opção, sem pensar duas vezes. Um amor constante e tranquilo é muito melhor do que as paixões que oscilam entre gelado e fervendo quando se trata do nosso bem-estar emocional.
"Chato" pode ser bonito
Quando falo de chato, me refiro a estável, consistente, confiável. Coisas que nos permitem descansar naquele amor, que nos permitem que construamos uma base sólida para a nossa vida junto a ele. Quando se trata de alguém que precisa de segurança emocional tanto quanto eu preciso, essa descrição se assemelha ao paraíso. Mesmo assim, aquela parte minha rebelde de vez em quando vem à tona e questiona tudo, reclama, quer emoção, sentimentos fortes, quer viver outra coisa nem que seja por 15 minutos, 3 dias ou duas semanas.
Mas e depois?
Se abandonar a paz e a tranquilidade das tardes de domingo e quase 20 anos de história fosse garantia de encontrar uma outra vida repleta de emoções fortes pelos próximos 20 anos, tudo bem. Mas que relação aguenta mais do que 1 ou 2 anos de pura paixão? E que ser humano poderia lidar com isso? Eu não...
Todo mundo quer um amor maravilhoso, mas queremos investir na nutrição consistente que este requer?
Qualquer coisa que queiramos de maravilhoso em nossas vidas requer continuidade e consistência, não só um amor.
Duvida? Perda de peso ocorre como resultado de centenas de pequenas decisões tomadas diariamente, não como resultado de comer e vomitar.
Montar uma empresa de sucesso também é o resultado de milhões de micro decisões tomadas diariamente, não da perda ou ganho de um único cliente milionário.
É mais fácil construir qualquer solução usando uma variável consistente, não importa qual seja, do que variáveis que mudam o tempo todo.
Quando um parceiro ou um relacionamento oscila entre quente e frio, apaixonado e indiferente, amoroso e irritado, presente e ausente, etc, a gente passa mais tempo administrando os sentimentos deles (e os nossos) do que construindo um relacionamento emocionalmente satisfatório que dure.
Sim, eu fico entediada muitas vezes em minha relação. Escolhi meu marido justamente devido a sua estabilidade e constância emocional, e é justamente isso que me enlouquece em muitos momentos. Me entedio, quero novidade, quero ser surpreendida...
Mas será que nossos parceiros existem para nos manter “entretidos” e para se assegurar de que nunca nos entediemos? Ou será que nós somos responsáveis pelo nosso próprio bem-estar emocional?
Um amor de cinema é construído com saúde emocional
Embora os amores de cinema sejam puro romance (obvio, qualquer amor que dure 1 hora e meia ou duas horas – tempo que duram os filmes – será puro romance!), pessoas emocionalmente saudáveis não passam a vida correndo atrás de romance, nem precisam de demonstrações teatrais de afeto. Elas se satisfazem com demonstrações saudáveis de amor.
Elas entendem que um amor saudável é construído com as pequenas coisas do dia-a-dia – levar a roupa na lavanderia, um abraço, uma palavra de encorajamento antes de uma reunião importante – e não exigem (nem tem disposição para) toda aquela exibição romântica em redes sociais.
Um amor maravilhoso é construído com todos os pequenos momentos de todos os dias, não com poucos momentos maravilhosos
Grandes relacionamentos, como todas as outras coisas, são construídos no dia-a-dia. Eles não sobrevivem ao dia-a-dia só para chegar a próxima saída ou as próximas férias, da mesma forma que uma grande carreira não sobrevive a semana só para chegar ao fim de semana.
Todo momento passado com a pessoa que amamos não tem preço, e pode definir se a relação dura ou não, se vive ou morre. E muitos destes momentos de todo dia são, em grande parte, chatos.
Aquele casal de 80 anos sentados de mãos dadas no parque está compartilhando “tédio”. E eles chegaram a isso um dia de cada vez.
Paixão é perigoso
É até irônico que uma pessoa apaixonada como sou esteja dizendo que paixão é perigoso. Logo eu que me sinto irresistivelmente atraída por relacionamentos apaixonados. Mas também os temo como ninguém. Não foi à toa que escolhi como parceiro de vida alguém “desapaixonado” e constante!
Sim, eu serei a primeira pessoa a dizer que a linha reta simboliza a morte, que é nos altos e baixos do eletrocardiograma que existe vida. Mas quando falo de paixão me refiro a extremos e excessos. Me refiro ao amor que exige novos restaurantes, presentes, viagens e grandes demonstrações publicas de afeto para acreditar na própria existência.
Obvio que é preciso tentar coisas novas e ir a novos lugares, e eu acho que a isso se refere o “trabalho” exigido pelos relacionamentos, conforme mencionado alguns parágrafos acima. Mas é preciso faze-lo com o coração calmo, e nunca com a ansiedade frenética de “ter que fazer algo”.
Quando corremos atrás de romance e excitação, a gente faz com o amor aquilo que filme pornô faz com o sexo. A gente o vulgariza e o transforma em mercadoria para exibição.
É difícil e perigoso tentar descansar nossos corações em paixões arrebatadoras, porque a menos que estejamos sempre trabalhando para mantê-la acesa, ela inevitavelmente acaba. E provavelmente acabará mesmo que estejamos constantemente trabalhando para mantê-la acesa. Paixão é chama e nenhuma chama dura para sempre. Além disso, amar dessa forma é exaustivo.
No amor “chato”, a única coisa que precisamos fazer é amar ao outro. Todos os dias. E isso não depende de como nos sentimos, porque o amor saudável não varia segundo o nosso estado emocional, como a paixão. O amor de verdade é uma escolha que fazemos todos os dias, não uma resposta ao nosso estado atual.
O amor “bom” é entediante
O amor de verdade, aquele saudável, é tranquilo e calmo. Ele não é barulhento nem frenético. Ele é sólido e estável, não volátil e efêmero.
Amor de verdade não é um jogo cujas regras você não entende, nem é um teste para o qual você não pode estudar. Ele nunca te deixa imaginando o que você precisa fazer para que ele não vá embora.
Ele é seguro, estável, previsível... e entediante. E talvez aqueles que teem a oportunidade de vivê-lo tenham sorte!
O amor bom é o amor de todo dia... todos os dias.
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